segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Autismo




O Autismo consiste numa disfunção do funcionamento cerebral, de início na infância, caracterizando-se por um desenvolvimento intelectual desequilibrado, afectando igualmente a capacidade de socialização do indivíduo. Assim, considera-se que as características clínicas do autismo são:
  • Défice na Capacidade de Socialização (prejuízo qualitativo a nível do desenvolvimento social e nas brincadeiras "faz-de-conta", sendo que estas últimas implicam a capacidade da criança se colocar no lugar de outrém, por exemplo, brincar "aos médicos" ou "pais e mães")
  • Défice na Capacidade Comunicativa (marcados prejuízos em termos de habilidades comunicacionais e desenvolvimento da linguagem)
  • Comportamentos Estereotipados (presença de padrões comportamentais estereotipados e interesses/ actividades limitadas, por exemplo, é relativamente comum que estas crianças se entretenham durante horas a fio a mexerem um carrinho para trás e para a frente, ininterruptamente, parecendo alheados do que os cerca)
Segundo uma visão comportamentalista/behaviorista, os autistas apresentam défices e excessos, considerando que à medida que os défices são superados, os excessos diminuem:

Défices
  • Comunicação/linguagem (tanto a nível receptivo como expressivo - verbal e/ou não-verbal)
  • Socialização:
    • contacto ocular (ter este contacto e mantê-lo)
    • noção das normas sociais (ex: como as pessoas se deverão comportar num ambiente formal/informal)
    • inicialização (tomar iniciativa para interagir com terceiros, como por exemplo, envolver-se num jogo/brincadeira)
    • reciprocidade social/empatia (capacidade de compreender os sentimentos dos outros)
    • brincadeira (individual, pares ou grupal)
    • auto-ajuda (por exemplo, utilizar um garfo, vestir-se, lavar as mãos, ou seja, tudo aquilo que esteja relacionado com a independência da criança)
    • generalização
Excessos
  • "Birras" ( gritos e choro)
  • Comportamentos estereotipados
    • auto-estimulação (ex: baloiçar-se para a frente e para trás, andar em "bicos de pés")
    • rituais
  • Agressividade
    • bater
    • morder
    • atirar com objectos
  • Comportamentos de auto-agressão
    • morder-se
    • bater com a cabeça no chão/na parede
Assim, para que as capacidades da criança sejam incrementadas, diminuindo os excessos/problemas de comportamento, é necessário que esses mesmos comportamentos sejam operacionalizados, através de um modelo de análise funcional: ABC (antecedents - antecedentes - o que precede o comportamento; behavior - o comportamento em si, sendo específico, observável e mensurável e consequences - as condições ambientais que ocorrem depois do comportamento e que o estão a reforçar, ou seja, a permitir que o mesmo se repita no futuro).

Mas o autismo revela-se da mesma forma independentemente da idade do indivíduo?

O autismo é uma situação com um desenvolvimento gradual, cujos sintomas diferem consoante a idade do indivíduo.


Assim:


O bebé com autismo apresenta determinadas características diferentes dos outros bebés da sua idade. Pode mostrar indiferença pelas pessoas e pelo ambiente, pode ter medo de objectos. Poderá ainda apresentar problemas a nível da alimentação, sono, ausência de sorriso, evitação do contacto visual com os pais, choro frequente e desconforto perante o contacto físico.

Quando começa a gatinhar pode fazer movimentos estereotipados/repetitivos (bater palmas, rodar objectos, abanar as mãos como se estivesse a voar). Ao brincar, não utiliza o jogo social nem recorre ao jogo imaginativo, ou "faz-de-conta", o que implica a não interacção com os outros .


Aos 12 meses de idade, estas crianças poderão demonstrar um interesse obsessivo por certos objectos, revelam comportamentos estereotipados e repetitivos e até atrasos ao nível da locomoção.

As dificuldades comunicacionais iniciam-se geralmente aos 24 meses é que se podem constatar dificuldades de comunicação – verbal e não verbal. É precisamente a partir desta idade que a criança denota uma maior tendência ao isolamento, à utilização de padrões repetitivos de linguagem e a não brincar como as outras crianças.


É entre os 2 e os 5 anos de idade que o comportamento autista se torna mais evidente. A criança simplesmente não fala ou ao falar, utiliza a ecolália (repetição automática, em eco, de palavras ou sons ouvidos) ou procede à inversão dos pronomes numa frase.


Há crianças que falam correctamente mas não utilizam a linguagem na sua função comunicativa, ou seja, não têm a intenção de comunicar, por exemplo, são capazes de falar incessantemente sobre um determinado assunto, sem terem em atenção os sentimentos dos outros ou até se estão a ser ouvidas, mostrando problemas na interacção social e nos interesses.


Regra geral, dos seis anos de idade até à adolescência os sintomas mais perturbadores podem diminuir, contudo o problema não desaparece totalmente.

Na adolescência as características do autismo juntam-se aos problemas desta fase. Podem melhorar as relações sociais e o comportamento ou, pelo contrário, podem voltar a fazer birras, mostrar auto-agressividade ou agressividade para com terceiros.


Na idade adulta, os indivíduos com autismo tendem a ficar mais estáveis se apresentam mais competências, ou seja, alto rendimento (QI elevado). Pelo contrário, os menos competentes, com QI baixo, continuam a mostrar características de autismo e não conseguem alcançar a independência necessária. Nestes casos, o autista não se consegue integrar na vida normal achando que o mundo é uma ameaça para si – fechando-se no seu mundo, pois é uma forma de se sentir mais seguro. Por vezes, neste período, o autista pode regredir e até voltar a manifestar comportamentos infantis (ex: comportamentos auto-estimulatórios, como baloiçar-se).



O tratamento para o autismo não existe, centra-se apenas em tentar desenvolver na criança/jovem aptidões e competências ao nível da linguagem e ao nível social, sendo para este efeito muito utilizada a metodologia ABA (Applied Behavioral Analysis - Análise Comportamental Aplicada) Podem contudo, utilizar-se psicofármacos em situações de agressividade, autodestruição ou convulsões.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Aborto/ Perda Gestacional


O termo aborto tem sua origem etimológica no latim abortus, que significa privação do nascimento, sendo um fenómeno de abrangência social, que, por vezes, não é conhecido de forma conveniente, o que impede uma compreensão profunda da questão, dificultando a abordagem do mesmo, não só por técnicos de saúde, mas também pela rede de apoio familiar e social.

Aborto Espontâneo - Efeitos

Em primeiro lugar, gostaria de estender esta questão não só à mulher – mãe – como também ao seu companheiro – pai -, uma vez que, na generalidade, a gravidez é algo planeado por ambos, pelo casal. A gravidez é um momento com a duração de, sensivelmente, 40 semanas, durante o qual ocorrem inúmeras mudanças não só físicas mas essencialmente emocionais e de papéis, não só da mulher como do seu companheiro e rede de suporte familiar. É inevitavelmente criado um vínculo a este bebé, a esta vida que vai crescendo de dia para dia; no entanto, em alguns casos a felicidade é suplantada pela angústia, pela incerteza e até pela perda: são os casos de gravidezes de risco que podem culminar no tão temido aborto espontâneo. Cria-se então uma situação que não fazia parte dos planos do casal, sendo uma experiência extremamente traumatizante para ambos, embora expressa de maneira distinta por cada um dos elementos do casal. A mulher sente-se frequentemente vazia, assolada por uma angústia e incerteza muito fortes, um sentimento de incapacidade de gerar vida, uma espécie de “machadada” no seu “ego feminino”. Estas mulheres sentem geralmente tristeza, frustração, raiva e desapontamento, culpando-se frequentemente pelo sucedido.

As mulheres que sofreram aborto espontâneo são consideradas um grupo de risco, nomeadamente se não houver uma conveniente elaboração do luto, uma perpetuação do sofrimento no tempo, podendo desencadear sintomatologia psicopatológica, nomeadamente, ansiedade e depressão. No entanto, é importante referir que a maioria das mulheres consegue ultrapassar a perda, sem desencadear perturbações psicológicas.



Aborto Provocado - Efeitos

O aborto induzido ou interrupção voluntária da gravidez (IVG) pode ter diversas motivações ou causas, sendo que, na minha opinião, as mais importantes são: a protecção da vida da mulher (por exemplo, em casos de malformação congénita do feto) e a indesejabilidade da gravidez. Uma gravidez indesejada pode ser fruto de vários factores, tais como a violência doméstica, pressões familiares, sociais e laborais, podendo induzir alterações psicológicas, nomeadamente, depressão, ansiedade exagerada, baixa auto-estima e até, em casos extremos, ideação suicida.

No que diz respeito às reacções à perda por aborto provocado, existem mulheres que após a IVG se sentem aliviadas e com maior sensação de bem-estar, o que para a maioria das pessoas poderá soar paradoxal. No entanto, outras existem que experimentam sensações de grande sofrimento e angústia, tanto maiores quanto mais avançado fôr o tempo gestacional. Pode haver o desencadeamento de um Síndrome Pós-Aborto, caracterizado, entre outros factores, por comportamentos de negação, evitamento, depressão, pesadelos, ansiedade, insónias e até disfunção sexual ou mesmo suicídio, em casos extremos.


Há diferenças entre homens e mulheres no que diz respeito à forma como a perda é encarada?

Tal como referi anteriormente, uma situação de perda gestacional é encarada de forma distinta pela mulher e pelo seu companheiro; há um processo de luto no qual ocorre um forte sofrimento emocional, implicativo de um trabalho de reajustamento psicológico, tanto individual como familiar. O aborto é, sem dúvida, uma situação indutora de grande stresse e ansiedade, sendo que, nestas situações, as mulheres expressam mais abertamente os seus sentimentos, procurando geralmente apoio em familiares e amigos, ou visando até a criação de redes sociais que as possam ajudar neste processo, num claro movimento de procura de afiliação. Por seu turno, os homens tendem a esconder mais o seu sofrimento, o que é em grande parte explicado por factores sociais, uma vez que ainda vivemos numa cultura em que os homens devem conferir protecção, devem ser cuidadores e não “sofredores”. Ora, há assim uma maior tendência para a focalização no trabalho, por exemplo, evitando falar ou até pensar sobre o assunto, num claro movimento de fuga ao sofrimento. Mas isto não significa que os homens não sofram, apenas sofrem de uma forma menos exteriorizada, recorrendo em menor escala à rede de apoio social (amigos, familiares, grupos de auto-ajuda, psicólogos, entre outros).

Esta discrepância nas estratégias para encarar o sofrimento entre homens e mulheres, podem trazer problemas ao casal, não sendo raras as trocas de acusações e de culpabilizações pelo sucedido. O facto do companheiro se mostrar distanciado, cria uma sensação de abandono na mulher, como se estivesse sozinha naquele processo, como se fosse apenas ela a sofrer e a sentir a perda, o que não é verdade. Por seu turno, o homem sente-se inseguro e incapaz no sentido de se sentir frustrado na sua capacidade de proteger a companheira, devido às manifestações claras de sofrimento por parte da mesma. Ora esta é uma situação de crise no casal, que deverá ser resolvida, sendo importante que ambos reconheçam o problema que se está a gerar e procurem ajuda especializada nesse sentido.

Conheço casos em que aparentemente se tinha resolvido a situação, mas foi claramente uma ilusão. Mais tarde, voltou a acontecer uma situação de perda gestacional e recomeçou todo o processo, culpabilizaram-se mutuamente e a relação culminou em divórcio. No entanto, a maioria dos casais ultrapassa relativamente bem a perda.




quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Perturbação Bipolar


A Perturbação Bipolar (tradicionalmente designada por Perturbação Maníaco-Depressiva) caracteriza-se por oscilações recorrentes entre estados de euforia (mania) e depressão, ou seja, implica uma variação marcada em termos de humor, intercalando com períodos mais estáveis. Estas oscilações repentinas e, como tal, inesperadas, apresentam uma forte repercussão ao nível das emoções, ideias e comportamentos da pessoa, influenciando em larga escala o seu bem-estar físico e psíquico, bem como dos familiares mais próximos.
Estima-se que esta doença afecte actualmente entre 1,3 e 1,6% da população mundial, sem diferenças significativas entre homens e mulheres, sendo muito importante a realização de um diagnóstico precoce, sendo que o papel do paciente é muito importante neste processo, pois, por vezes, há uma certa resistência em procurar ajuda, o que conduz ao agravamento dos sintomas.

Quais poderão ser as causas da Perturbação Bipolar?

Os doentes com perturbação bipolar aparentam falta de estabilidade na transmissão dos impulsos nervosos ao cérebro, tornando-se, por isso, mais vulneráveis ao stress emocional e psíquico (fonte Médicos de Portugal), sendo que algumas vivências eventualmente stressantes aliadas a determinados tipos de personalidade, poderão culminar numa situação de doença bipolar.
Como se caracterizam as diferentes fases desta doença? (fonte ADEB)

A chamada fase de "mania" caracteriza-se por um estado de humor elevado e expansivo, eufórico ou irritável. Nas fases iniciais da crise, é comum a pessoa sentir-se mais alegre, sociável, faladora, auto-confiante, inteligente e criativa. No entanto, com a elevação progressiva do humor e a aceleração psíquica, poderão instalar-se alguns sintomas, tais como: irritabilidade extrema, perda de noção da realidade, sentimento de grandiosidade, despesas excessivas, entre outros.

No que diz respeito à fase de "depressão", esta caracteriza-se essencialmente por uma marcada tristeza e desespero, coexistindo alguns dos seguintes sintomas: sentimentos de inutilidade e culpa excessiva, alterações de sono, peso e apetite, choro fácil e frequente, perda de energia, cansaço ou, pelo contrário, agitação e inquietação, entre outros.

...E depois da crise?

Após as crises de depressão e/ou mania, a pessoa volta ao estado normal, embora com consequências dramáticas em termos da sua vida familiar, social e individual, havendo uma marcada repercussão ao nível da sua capacidade de adaptação e autonomia.

Que tipo de tratamento é o indicado para esta doença?

A cura completa ainda não é possível, no entanto, é possível controlar a doença, através de uma terapia farmacológica (medicamentos estabilizadores de humor, antidepressivos e neurolépticos) aliada ao apoio psicológico individual e familiar, acompanhamento este que é indispensável para o sucesso do tratamento, de forma a que a pessoa se sinta o mais confortável possível e aprenda novas estratégias de actuação em situações de crise, o que é extensivo à família, componente tão importante e por vezes tão esquecida...

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Medo, ansiedade e depressão


O medo faz parte do sistema adaptativo de sobrevivência dos indivíduos, sendo uma resposta perfeitamente normal perante a possibilidade de existir perigo de vida ou ameaça ao bem-estar, manifestando-se, entre outros factores, por tremores, sudação excessiva, aumento do ritmo cardíaco, entre outros, permitindo, também, ao indivíduo, avaliar as suas reais capacidades para enfrentar uma determinada situação.
Por seu turno, a ansiedade é algo normativo ao ser humano, sendo que, a título de exemplo, a experiência de graus ligeiros de ansiedade em situações sociais consiste num fenómeno frequente e a sua intensidade não impede o funcionamento social adequado do indivíduo, podendo até propiciar um efeito benéfico, uma espécie de agente motivador, sem originar sofrimento.

Mas qual é afinal a diferença entre medo e ansiedade?

O medo ocorre quando um estímulo exterior facilmente identificável, ou seja, algo concreto, desencadeia comportamentos de fuga ou evitação, associando-se a sentimentos de raiva ou vergonha, terminando aquando do desaparecimento desse mesmo estímulo , enquanto que a ansiedade consiste num estado emocional aversivo sem desencadeadores claros/concretos (medos difusos) e que, obviamente não podem ser evitados (Baptista, 2000), sendo difundida de um modo desagradável e persistente (Marks & Nesse, 1994).

E o que acontece quando estes fenómenos atingem proporções patológicas e indutoras de mal-estar e desconforto no indivíduo?

Os medos, os diversos tipos de ansiedade e as suas desregulações surgem num indivíduo em desenvolvimento, geralmente, no decorrer da infância até ao inicio da idade adulta, diminuindo posteriormente com a idade (Essau & Petermann, 2001; Last, 1993; March, 1995; Marks, 1987). De modo previsível, em determinadas alturas do desenvolvimento e de acordo com as tarefas típicas dessas etapas, os medos aparecem e desaparecem, reflectindo a maturação do organismo. As suas manifestações variam ao longo da vida (Vasey & Dadds, 2001). Os medos sociais aparecem no início da adolescência, altura de maior individualização, de afastamento dos progenitores, de integração nos grupos de pares e de atracção pelo sexo oposto. A preocupação com a aparência, o cuidado com a impressão causada e a opinião dos outros, são factores extremamente importantes nesta altura do desenvolvimento. O medo ou ansiedade social são factores motivadores adaptativos que promovem maior preocupação e cuidado com estes aspectos. No entanto, se este medo provocar a inibição de contactos sociais, ou se existir encorajamento familiar para a evitação, o medo tenderá a manter-se ou, pior, a aumentar transformando-se numa limitação (Baptista, A., Carvalho, M. & Lory, F., 2005).

Quando a ansiedade é sentida de modo excessivo condicionando a vida do indivíduo, considera-se que esta atinge um grau patológico, ou seja, induz um marcado desconforto no indivíduo e uma sensação de incapacidade, sobressalto permanente, angústia intensa, podendo surgir ou não paralelamente alguns sintomas fisiológicos, tais como: transpiração excessiva, vertigens, sensação de falta de ar, dores de cabeça, entre outros, ou mesmo, uma associação à patologia depressiva.
Existem inúmeras perturbações de ansiedade, nomeadamente, perturbação de ansiedade generalizada, fobias, transtorno de pânico, entre outros. Mas mais importante do que atribuir um rótulo a um indivíduo, é tentar compreender a razão porque os sintomas acontecem, relacionando, com a sua história de vida, sendo, na maioria das vezes, necessário um acompanhamento psicoterapêutico, podendo ou não haver uma componente de tratamento farmacológico associada.

Como é definido o tratamento?

Tal como em diversas situações, é necessária a motivação do indivíduo para superar o seu estado actual, para investir em si e no seu bem-estar mesmo, e não desistir caso os resultados não apareçam tão rapidamente como desejaria.
Sofrer de perturbação da ansiedade não pode ser encarado como algo banal nem como uma fatalidade, sendo que os tratamentos variam e são estabelecidos em função da natureza do problema (fobias, obsessões, pânico, etc.) e da personalidade do sujeito que as sofre.