quinta-feira, 10 de abril de 2008

Aborto/ Perda Gestacional


O termo aborto tem sua origem etimológica no latim abortus, que significa privação do nascimento, sendo um fenómeno de abrangência social, que, por vezes, não é conhecido de forma conveniente, o que impede uma compreensão profunda da questão, dificultando a abordagem do mesmo, não só por técnicos de saúde, mas também pela rede de apoio familiar e social.

Aborto Espontâneo - Efeitos

Em primeiro lugar, gostaria de estender esta questão não só à mulher – mãe – como também ao seu companheiro – pai -, uma vez que, na generalidade, a gravidez é algo planeado por ambos, pelo casal. A gravidez é um momento com a duração de, sensivelmente, 40 semanas, durante o qual ocorrem inúmeras mudanças não só físicas mas essencialmente emocionais e de papéis, não só da mulher como do seu companheiro e rede de suporte familiar. É inevitavelmente criado um vínculo a este bebé, a esta vida que vai crescendo de dia para dia; no entanto, em alguns casos a felicidade é suplantada pela angústia, pela incerteza e até pela perda: são os casos de gravidezes de risco que podem culminar no tão temido aborto espontâneo. Cria-se então uma situação que não fazia parte dos planos do casal, sendo uma experiência extremamente traumatizante para ambos, embora expressa de maneira distinta por cada um dos elementos do casal. A mulher sente-se frequentemente vazia, assolada por uma angústia e incerteza muito fortes, um sentimento de incapacidade de gerar vida, uma espécie de “machadada” no seu “ego feminino”. Estas mulheres sentem geralmente tristeza, frustração, raiva e desapontamento, culpando-se frequentemente pelo sucedido.

As mulheres que sofreram aborto espontâneo são consideradas um grupo de risco, nomeadamente se não houver uma conveniente elaboração do luto, uma perpetuação do sofrimento no tempo, podendo desencadear sintomatologia psicopatológica, nomeadamente, ansiedade e depressão. No entanto, é importante referir que a maioria das mulheres consegue ultrapassar a perda, sem desencadear perturbações psicológicas.



Aborto Provocado - Efeitos

O aborto induzido ou interrupção voluntária da gravidez (IVG) pode ter diversas motivações ou causas, sendo que, na minha opinião, as mais importantes são: a protecção da vida da mulher (por exemplo, em casos de malformação congénita do feto) e a indesejabilidade da gravidez. Uma gravidez indesejada pode ser fruto de vários factores, tais como a violência doméstica, pressões familiares, sociais e laborais, podendo induzir alterações psicológicas, nomeadamente, depressão, ansiedade exagerada, baixa auto-estima e até, em casos extremos, ideação suicida.

No que diz respeito às reacções à perda por aborto provocado, existem mulheres que após a IVG se sentem aliviadas e com maior sensação de bem-estar, o que para a maioria das pessoas poderá soar paradoxal. No entanto, outras existem que experimentam sensações de grande sofrimento e angústia, tanto maiores quanto mais avançado fôr o tempo gestacional. Pode haver o desencadeamento de um Síndrome Pós-Aborto, caracterizado, entre outros factores, por comportamentos de negação, evitamento, depressão, pesadelos, ansiedade, insónias e até disfunção sexual ou mesmo suicídio, em casos extremos.


Há diferenças entre homens e mulheres no que diz respeito à forma como a perda é encarada?

Tal como referi anteriormente, uma situação de perda gestacional é encarada de forma distinta pela mulher e pelo seu companheiro; há um processo de luto no qual ocorre um forte sofrimento emocional, implicativo de um trabalho de reajustamento psicológico, tanto individual como familiar. O aborto é, sem dúvida, uma situação indutora de grande stresse e ansiedade, sendo que, nestas situações, as mulheres expressam mais abertamente os seus sentimentos, procurando geralmente apoio em familiares e amigos, ou visando até a criação de redes sociais que as possam ajudar neste processo, num claro movimento de procura de afiliação. Por seu turno, os homens tendem a esconder mais o seu sofrimento, o que é em grande parte explicado por factores sociais, uma vez que ainda vivemos numa cultura em que os homens devem conferir protecção, devem ser cuidadores e não “sofredores”. Ora, há assim uma maior tendência para a focalização no trabalho, por exemplo, evitando falar ou até pensar sobre o assunto, num claro movimento de fuga ao sofrimento. Mas isto não significa que os homens não sofram, apenas sofrem de uma forma menos exteriorizada, recorrendo em menor escala à rede de apoio social (amigos, familiares, grupos de auto-ajuda, psicólogos, entre outros).

Esta discrepância nas estratégias para encarar o sofrimento entre homens e mulheres, podem trazer problemas ao casal, não sendo raras as trocas de acusações e de culpabilizações pelo sucedido. O facto do companheiro se mostrar distanciado, cria uma sensação de abandono na mulher, como se estivesse sozinha naquele processo, como se fosse apenas ela a sofrer e a sentir a perda, o que não é verdade. Por seu turno, o homem sente-se inseguro e incapaz no sentido de se sentir frustrado na sua capacidade de proteger a companheira, devido às manifestações claras de sofrimento por parte da mesma. Ora esta é uma situação de crise no casal, que deverá ser resolvida, sendo importante que ambos reconheçam o problema que se está a gerar e procurem ajuda especializada nesse sentido.

Conheço casos em que aparentemente se tinha resolvido a situação, mas foi claramente uma ilusão. Mais tarde, voltou a acontecer uma situação de perda gestacional e recomeçou todo o processo, culpabilizaram-se mutuamente e a relação culminou em divórcio. No entanto, a maioria dos casais ultrapassa relativamente bem a perda.




4 comentários:

Magui Soterio disse...

Parabéns pelo site. Tbem sou licenciada em Psicologia ;)

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Ponto de Equilíbrio disse...

Boa noite Ana! Antes de mais nada quero parabeniza-la pela qualidade dos artigos aqui apresentados. Assim como você também sou um profissional da Psicologia. Me chamou muito a atenção sobre a temática aqui debatida. Atuo em um Centro de Referência da Assistência Social-CRAS que dentre vários trabalhos apresenta um projeto criado por mim e minha esposa que é Assistente Social denominado "Mamãe Nota 10!". Um dos objetivos é fortalecer a rede familiar bem como auxiliar no processo de formação desta nova função assumida pelo casal;pai-mãe. Comumente quando realizamos as visitas para convidar as gestantes nos deparamos com relatos de abortos. Grande parte provocados. Assim, considero muito importanta debater sobre as consequências deste comportamento.
Mais uma vez agradeço e estimo ler novos artigos.
Parabéns e sucesso neste espaço

Unknown disse...

A qualidade da informação, aliada ao léxico acessível apropriado a todos os públicos fazem deste um blog de referencia.

Parabéns.

Ana Sousa disse...

Muito obrigada pelo Feedback dado, é sempre extremamente gratificante para mim saber que o meu objectivo de difundir a psicologia pela população em geral, está a ser alcançado.
Muito obrigada!